Guerras e o cinema nipônico
Olá. Neste blog, falarei um pouco da minha perspectiva acerca de obras japonesas com o tema da guerra, focando-me em Túmulo dos Vagalumes, de Isao Takahata, e a trilogia de Masaki Kobayashi, Guerra e Humanidade. Sem mais enrolação, tenham uma boa leitura.
Bom, acho que todos conhecem este filme. Lançado em 1988, é do famigerado Studio Ghibli e dirigido por Isao Takahata. Fala sobre um jovem chamado Seita e sua irmã, Setsuko, tentando sobreviver no Japão em meio à guerra após perderem a sua mãe em um ataque aéreo inimigo. Bem triste, não? É nisso que a obra vai ter foco. Após o ocorrido, os irmãos vão morar com uma tia, já que era a pessoa mais próxima deles, e é aí que começa o problema. Numa situação de guerra — a Segunda Guerra Mundial ainda —, é óbvio que as coisas não estariam fáceis; o Estado vai focar sua produção se baseando nas necessidades bélicas e de pessoal em suas forças armadas, então é claro que a população civil fica numa situação desfavorecida e até mesmo precária. O que logicamente inclui a tia que, já com problemas, precisou acomodar mais duas pessoas em sua casa. Mas o que a obra faz? Transforma a tia num monstro por ela dar sermão nas crianças que querem brincar o dia inteiro sem se preocupar com nada. Seita já era um adolescente, naquela situação de guerra era esperado que ele agisse com maturidade e fosse procurar ajudar o máximo possível, o que não ocorre. Em vez disso, fica irritado com o tratamento duro da tia.
Assim, ele resolve sair da casa dela e tentar viver sozinho, mas o problema é que ele tem uma irmã pequena, e resolve, de forma irresponsável, arrastá-la para isso. O resultado final é o que todos imaginam: a irmã morre devido à fome, e o irmão, desesperançoso, também, sem mais forças para persistir.
Só que possuo ressalvas quanto ao enredo. Primeiro, é demonstrado na história que ele tinha dinheiro no banco deixado pelos seus pais, mas só resolve buscá-lo quando a irmã já está em seus últimos suspiros, por quê? Para ter uma cena em que ele apanha por ter roubado comida e outra dele levando a irmã para o hospital dizendo ao médico que não tem como dar comida para ela? Nossa, de fato, muito triste e comovente. É a coisa mais óbvia possível, por que não simplesmente voltar para a sua tia pedindo desculpas? "Ah, mas isso iria ferir o orgulho dele, nosso pobre jovem não suportaria levar sermão por querer brincar e receber sopa todo dia". Soa simplesmente ridículo a forma como o personagem age de tão irracional que é. Seria humano ele ter voltado atrás, não por ele, mas pela sua irmã. No fim, e onde eu queria chegar, considero-a uma obra bem vitimista. Vindo do lado causador da guerra, parece afastar ou diluir a culpa japonesa, mostrando de forma "bonitinha" o sofrimento do povo. Não digo que não houve sofrimento japonês, só não gosto do que essa obra grita como mensagem anti-guerra sendo tão forçada em seu drama.
Guerra e Humanidade é uma trilogia de filmes dirigida por Masaki Kobayashi, adaptando uma obra homônima de seis volumes de Junpei Gomikawa. Cada parte recebeu um nome, sendo: Parte 1: Não Há amor Maior (1959), Parte 2: Estrada Para a Eternidade (1959) e Parte 3: Uma Prece de Soldado (1961), totalizando mais de nove horas de filme. A história segue o mesmo personagem nas três partes, o japonês chamado Kaji, que começa a história já se casando com sua esposa, Michiko. Isso foi feito às pressas, pois, temendo a convocação militar em meio à guerra, ele arranja um trabalho como coordenador no sul da Manchúria (região da costa leste da China, parcialmente ocupada pelas forças japonesas durante a Segunda Guerra Mundial), assim, evitando, inicialmente, o serviço no exército. Kaji é um humanista (muitas vezes na obra confundido com um comunista, o que mostra certa aversão ao termo pelos japoneses), sendo assim, ele queria implementar novos métodos de trabalho nas minas, sendo mais regulamentado e abominando as punições físicas, até mesmo para os prisioneiros de guerra que eram forçados a trabalhar. O problema surge quando outros coordenadores, que apreciam o método mais "conservador", vão contra Kaji e fazem de tudo para sabotá-lo, tentando demonstrar que seu modo é falho, a fim de que ele se irritasse e largasse de seu humanismo. Porém, isso não ocorre, a todo momento ele continua crendo na boa vontade dos trabalhadores, apesar de muitos não acreditarem nele, o que leva a alguns desentendimentos, e no fim ele é taxado como um "revolucionário" que ajudava os prisioneiros, o que resultou em sua convocação para o serviço militar para se afastar de sua "causa". O principal foco desta parte é demonstrar este lado japonês no tratamento de prisioneiros e trabalhadores, fazendo até com que o próprio exército seja o "antagonista", já que incentivam uma postura contrária à de Kaji. Não importa o lado em que você esteja, numa guerra você é cruel, mesmo que seus ideais possam visar algo bom para seu povo, e vindo de um lado causador, esta autocrítica é muito bem levantada, afinal, o que os japoneses fazem com parte da China e sua população é muito reprovável, não é algo para ser esquecido.
Na segunda parte, Estrada Para a Eternidade, é mostrado como foi a vida de Kaji no exército, onde vemos o tratamento autoritário e desumano no qual os soldados eram submetidos, principalmente devido aos veteranos que se sentiam no poder de maltratar os novatos (bem parecido com Fullmetal Jacket do Kubrick, que veio depois, impossível não ter se inspirado no filme). Podemos ver como Kaji mantém seus ideais humanistas, porém, não mais de forma idealizada, ele percebe que há vezes que realmente se precisa agir de uma forma mais severa em pról de sua sobrevivência. Isso é principalmente ressaltado ao fim da parte, em que, após uma batalha, poucos soldados restam, e um deles queria lutar, o que faria com que o inimigo percebesse a presença dos sobreviventes, levando a aniquilação de todos. Com isso, Kaji simplesmente o mata, já que era sua única salvação. Após o ocorrido, começa a parte 3, que é toda pautada na sobrevivência dos soldados restantes com o fim da guerra e seus resultados "batendo na porta". Aqui realmente podemos ver a desgraça na qual o povo japonês se encontrava, com cidades destruídas, terras perigosas, com risco da iminente vingança por parte dos chineses, e uma ocupação estrangeira para manter a ordem dos restantes soldados japoneses. Kaji e alguns poucos soldados lutam para sobreviver e chegar a algum lugar seguro e com comida. O exército, que tanto os privou, nada fez para a melhoria da situação, até chegaram a atrapalhar, pensando que ele era um desertor, e não compartilhavam comida nem com os civis japoneses. No filme também se mostra a presença dos russos na ocupação para controlar as forças japonesas, que até chegam a capturá-los e colocá-los em uma espécie de campo de trabalho, sendo que oficiais japoneses que se aliaram aos russos insistiam em perturbar e dificultar a vida do protagonista. Kaji queria falar com os russos. Ele sabia de sua recente história e era um simpatizante de seus ideais comunistas, mas não era possível vencer a barreira linguística, ainda mais com um intérprete mal intencionado. No fim, ele consegue fugir e começa sua incessante busca por Michiko, sua esposa, porém o fim é desesperançoso, assim como a guerra. A grandiosidade deste filme em demonstrar tantas facetas da guerra é incrível, sendo muito autocrítico e muito consistente em demonstrar a guerra na visão de um humanista, alguém que claramente não serve a ela.
Este é o fim. Não entendam errado o fato de eu considerar o primeiro filme apresentado ruim, com o fato de que simplesmente não houve sofrimento no Japão, só desaprovo a forma como isso é demonstrado, e se você gosta da obra, que bom que pôde aproveitá-la ":)". Há outras grandes obras de guerra fora estas citadas que merecem atenção, feitas no Japão. Lembro-me agora de Legend of the Galactic Heroes, um excelente e sério anime sobre o tema, e alguns mangás do Osamu Tezuka, como Ayako e Adolf ni Tsugu. Caso queira ver mais filmes, há também os russos Come and See e Ivan's Childhood, e alguns do Kubrick que são bons, como: Pahts of Glory, Dr. Strangelove e o já citado Fullmetal Jacket. Bom, é isso aí.
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