•Introdução.

Sejam bem-vindos(as) a mais um texto meu, este que tem como escopo tentar retirar da extrema ignorância alguns dos consumidores de animes presentes nesta comunidade, mostrando o quão errados e burros são alguns dos jargões bastante propagados dentro do meio otaku, o que acaba apenas gerando desinformação e preconceito, manchando ainda mais nossa imagem, principalmente dentro da nossa própria cultura. Para você, leitor, não ficar muito perdido, já adianto que irei discorrer acerca de assuntos abrangentes dentro dessa temática, vulgo um pouco de várias coisas.


•Ecchi.


Eu poderia facilmente concluir este tópico com o clássico jargão "se não gostou, não assiste", porém minhas palavras não teriam embasamento algum e eu seria apenas mais uma na multidão corroborando para uma cultura ignorante, pois somente dar a resposta nunca é o suficiente; você deve mostrar todo o caminho que chegou àquele resultado caso queira credibilidade. Sei que muitos conheceram o meme do "ecchi desnecessário, dropei", mas neste tópico proponho nos aprofundarmos um pouco nisso e descobrirmos o "ais" por trás desse assunto que é mais denso do que parece. Caso você tenha assistido a um número modesto de animes, provavelmente já percebeu que essas obras orientais, em sua grande maioria, possuem ao menos alguma cena com teor mais sexual; e agora vamos ver até que ponto isso pode, ou não, ser problemático. Para dar uma melhor organização, irei classificá-los em: caracterização, temático, sujo e descompromissado.


temático.


O ecchi temático é geralmente usado quando a trama da obra gira em torno da sexualidade, comumente ligada à puberdade e seus conflitos, e também algo bastante recorrente no enredo, algo que esteja implícito, ou até explícito, na proposta do anime. Nesse caso, divido essa categoria em duas situações, uma em que é usada para sátira ou humor, e outra que trabalha sentimentos e conflitos. Como exemplo para primeira situação, pode-se citar animes famosos como Shimoneta, Prision School ou até mesmo Keijo!!, animações essas que acabam usando cenas sensuais com "closes" em certas regiões do corpo feminino para gerar um humor escrachado, satirizando animes que fazem isso sem o mesmo intuito — acho válido tal artifício, vale ressaltar. Ainda neste tópico, temos B Gata H Kei, um romance escolar que tem como premissa o desejo da protagonista, que é a garota mais popular da escola, de perder sua virgindade. Já nesse início, o espectador já imagina o que o espera, evitando assim posteriores decepções para com a obra.


Chegando agora na segunda situação, trago o polêmico Darling in the FranXX, este que ficou bastante conhecido por sua mudança drástica no meio do enredo somada à vinda de aliens para a trama e por algum motivo recebe ódio até os dias atuais. Todavia, nem tudo no anime é malfeito, por exemplo, a abordagem de tema que venho abordando neste tópico, a sexualidade e a puberdade. Uma parte majoritária de suas cenas, digamos assim, sensuais, tinham função na narrativa, algumas mostrando a falta de reação perante um outro corpo nu, como no caso do primeiro encontro de Hiro com Zero Two, outras cenas mostrando o desabrochar de sentimentos libidinosos oriundos dos hormônios da puberdade, como algumas interações entre Mitsuru e Kokoro; até mesmo o modo de pilotagem possuía propósito no enredo, já que escrachava a proposta da obra, usando dessa posição que explicitava o tema.



Como convidado especial, trouxe meu amigo que entende bem desse anime renomado e que aborda bem esse assunto, Bruno, para discorrer e assim complementar o conteúdo. Normalmente, quando falamos de ecchi estamos sempre ligando o termo, de forma assertiva, com sexualização e vulgaridade dentro de determinada obra nipônica, muitas vezes causando repúdio e críticas a ela. Porém, há muitas obras que se utilizam dessa temática (e até utilizam como gênero direto) para fortificar sua temática e até mesmo tornar a história mais rica. Um desses casos é Kill la Kill, obra conhecida pelo cunho bizarro e arte exagerada e, claro, sexualização.


O que torna o ecchi em Kill la Kill algo significativo é a temática envolvida e passada através dele. A obra fala muito sobre “passagens” e “identidade”; retratados usando Ryuko, a escola e os uniformes. Começando com nossa protagonista, suas cenas fazem uma analogia bem no “estilo TRIGGER de ser”, mostrando a passagem de uma garota para o pico de sua adolescência através de dar sangue ao uniforme Senketsu. É visível a analogia para menstruação aqui, não apenas pelo sangue dado que suja o uniforme, mas sim porque Ryuko “vê” pela primeira vez seu corpo naquele estado, e a partir dessa cena, passa para a ideia de “aceitação”, mais uma vez tendo analogia com Ryuko aceitar sua cena ecchi como sendo a aceitação do seu próprio corpo; lógico que seguindo a ideia escalonar da narrativa, os temas vão dessa singela ideia de aceitação física para a ideia de identidade geral de todas as pessoas. Não perdendo o fio, o anime em seu ápice nos diz que “estar pelado é a maior afirmação de identidade que temos”, já que não ter rótulos (uniformes) nos faz sermos apenas nós mesmos. Para Kill la Kill, o ecchi não é apenas um recurso de bizarrice ou fetiche de seus criadores, mas sim uma forma mais criativa e excêntrica de abordar temas que são relevantes socialmente, principalmente entre jovens que ainda estão na escola e talvez tenham dificuldades em se identificarem.


“Sim! Eu não sou nada além de mim mesma! O jeito correto de vestir você, Senketsu, é ficar nua!!” – Matoi, Ryuko.


caracterização.


O ecchi de caracterização é geralmente usado para trabalhar o personagem e usado em obras com um elenco mais jovial. Nessa situação, o uso de cenas sensuais acaba por ter um propósito narrativo, algo que agrega à obra. Pode-se tomar como exemplo alguns personagens de Monogatari, nesse caso, o vampiro adolescente Koyomi Araragi. O protagonista dessa série de light novel se destaca bastante por sua grande libido mostrada no decorrer da série; é um jovem que possui inúmeros pensamentos recheados de luxúria e que também protagoniza algumas cenas facilmente restritas a um público de maior idade. Mesmo sendo fácil se enganar e confundir esses elementos a um ecchi comum, daqueles que buscam apenas fazer humor ou mesmo atrair o público, devemos saber que NisioIsin na verdade não quer fazer nada além de uma paródia e construir seu personagem em cima disso, apesar de vários fatores serem feitos para você desgostar do intérprete. As cenas envolvendo ecchi em Monogatari são muito importantes para a caracterização do personagem, já que elas mostram os desejos internos de Araragi em determinadas situações, principalmente envolvendo submissão, além de também nos mostrar um personagem mais humanizado, um jovem com diversos novos hormônios e pensamentos reflitantes percorrendo seu corpo nessa estranha fase de descobertas, mas que acompanhamos seu amadurecimento conforme as partes, com todas as mínimas sacadas sendo importantes.


Outro exemplo desse tipo está na personagem Zero Two, de Darling in the FranXX, que, embora os espectadores de neurônios afuncionais devam discordar, possui uma ótima introdução com elementos ecchi. Toda a sequência inicial dela na água caçando peixes com sua própria mandíbula e habilidades aquáticas, em vez de, num senso comum, usar algum utensílio ou ferramenta para auxílio, funciona como uma exposição de sua natureza e transpassa bem sua essência selvagem, mostrando não se importar com as normas sociais presentes naquela cultura. Todavia, também indica que tem total ciência de tais dogmas culturais ao chamar nosso protagonista de "pervertido" ao tocar sua calcinha, enquanto, diferentemente de uma reação considerada como normal dentro daquele contexto da obra, demonstra uma expressão de riso ao invés de constrangimento ou fúria, nem sequer um pingo de desconforto é transparecido por Zero Two.


sujo.


O ecchi sujo é geralmente usado para prender a atenção de seu público mais jovem, aqueles nas quais as cargas hormonais estão em seu ápice. Tal elemento também é conhecido por dar imagem ao esteriótipo principal da comunidade otaku. Outra característica para fácil identificação desse tipo de ecchi é a desnecessidade das cenas, aqueles famigerados ângulos estranhos dando foco em partes sensuais da personagem, esta que também geralmente já vem com um design mais sobressalente nas regiões glúteas ou mamárias. Pode-se também, embora seja minoria, mencionar animes que focam na sexualização masculina. Outro ponto que ajuda a identificar esse tipo é o dano que ele causa, exemplificando, algo como uma apalpada que acaba estragando uma cena de tensão, tornando tal ação não somente desnecessária, mas também prejudicial para a imersão do telespectador.


descompromissado.


Este tipo de abordagem é semelhante à supracitada categoria Temática, pois ele também traz o ecchi como elemento estrutural em sua narrativa, porém não de um modo aprofundado que aborde questões mais interiores ou personagens, mas sim com o intuito de usar somente para fins cômicos ou até mesmo pervertido. Tais obras já esfregam em sua cara logo na sua sinopse que o anime é assim; essa é a sua mensagem e é exatamente isso que você irá ver. Um bom exemplo disso é Prision School, que tem sua premissa fortemente embasada em humor promíscuo bastante pesado, porém não se torna um problema, considerando que ele entrega o que promete. Outro exemplo bom para ser pontuado é o mais recente sucesso, Ishozoku Reviewers, que tem sua premissa baseada em humor absurdo feito por meio de sequências ecchi extremamente pesadas, mostrando os protagonistas experimentando e avaliando criticamente os mais diversos tipos de casa de entretenimento burlesco.


•Sexualização.


Atualmente, uma crescente discussão vem ganhando espaço nas redes sociais: a sexualização de personagens dentro das obras japonesas, os animes. Creio que seja consenso entre a comunidade que grande parte dos animes mais populares atualmente tenham algum tipo de sexualização, tanto feminina quanto masculina; logo, não há muito ponto de discussão nesse quesito, todavia, algo que realmente vale a pena se aprofundar e explorar é compreender a origem e o porquê disso. Caso você seja um grande consumidor de animações nipônicas assim como eu, já deve ter notado e conhecido, mesmo que minimamente, a cultura japonesa, sendo de formas mais sutis como em Yuru Yuri, ou até em poucos casos em que o aprofundamento nesse aspecto social é bastante explorado, como em Oregairu ou até mesmo Bunny Girl Senpai. Sendo assim, com um maior compreendimento acerca desse tipo de sociedade, fica cada vez mais notório o tipo de movimento em que se enquadram esse tipo de obra.


Baixa taxa de natalidade, baixo nível de interação social, Estado grande, dogmas predominantemente conservadores. Essas são características bem marcantes da nação nipônica, essa que é bastante representada por meio do contexto colegial. Muita coisa pode ser absorvida pelo próprio uso dos honoríficos, esses que mostram a importância dada às posições sociais entre os japoneses, pois o valor coletivo é mais relevante que o unitário; ser uma estudante do segundo ano que está abaixo de uma estudante do terceiro ano é mais importante que ser a Rafaela, por isso é considerado desrespeito quando tais alunos se abstém de usar esses honoríficos. Ainda dentro do contexto estudantil, em grande parte das escolas japonesas não só as vestimentas devem seguir um padrão, mas também seus cortes e cores de cabelos também devem seguir rígidas regras conservadoras, o que explica o motivo de ser comum protagonistas com cabelos revoltados, diferentes e coloridos, pois isso acaba se tornando um reflexo dessa opressão sobre a identidade limitada dos jovens.


•Balanço.


Embora eu saiba que você, leitor, não seria burro ao ponto interpretar o tópico supracitado como se eu estivesse defendendo a sexualização de personagens, sei muito bem que alguns podem entender dessa maneira, portanto, gostaria de explicitar que a discussão é muito mais complicada e, ao mesmo tempo, simples. Não acredito, e nem sequer consigo conceber tal ideia de ser contra ou a favor da sexualização de personagens, pois para mim, é de consenso que esse problema existe, e diferentemente de muitos por aí que defendem a censura de tais conteúdos, eu proponho a crítica, claro que feita de forma embasada e bem colocada a esse tipo de conteúdo. Se um conteúdo não lhe agradou, ou até o ofendeu, critique, aponte os supostos erros em tal material, conscientize o autor ou até os demais consumidores, mostre o seu ponto e o porquê de você o considerar certo, mas nunca, jamais tente reprimir a liberdade dos demais de produzir somente porque você acha isso errado. Viva para a crítica, não para a censura.


Para finalizar a pauta concluindo esse contexto, algo que ainda é considerado um grande tabu no meio social são as relações amorosas que, por causa do forte conservadorismo que se mantém presente na sociedade japonesa, ainda são bastante restritas, pois, diferentemente de países como o Brasil, o Japão ainda considera algo de teor demasiado promíscuo o simples ato de beijar seu parceiro em um ambiente público, ação essa que beira o ofensivo nesse contexto. Esse fator, somado ao intrínseco isolamento social oriundo da timidez e inabilidade social que afeta grande parte do povo japonês, acaba por resultar zonas de conforto alimentadas por essa deficiência de socialização, além de também criar vários sentimentos reprimidos relacionados a esse mesmo tema, o que acaba sendo refletido mais explicitamente no grande número de obras com teor sexual nas mais diversas intensidades e camadas. Caramba, até mesmo os vídeos adultos japoneses são censurados!


•Conclusão.


Espero ter conseguido explanar que existem diversos tipos e modos de usar o ecchi em uma obra citando exemplos bem trabalhados e outros nem tanto, sem esquecer dos pessimamente utilizados, já que nem tudo é preto no branco, como muitos autoritários pregam por aí; aliás, quase nada é assim, a vida é cheia de nuances, de cinzas. Como dito no início desta postagem, sempre estarei do lado da liberdade de expressão, e após ver o número de pessoas criticando todo um movimento que tem função de uma válvula de escape como resposta a uma sociedade muito conservadora e autoritária, minha convicção ficou ainda mais forte. Eu respeitarei seu direito de não gostar, não entender ou de optar por não consumir tal obra, porém serei certamente contra você caso tente censurar aquilo que não lhe agrada. Acredito ser de um ato bastante falacioso a culpa ser posta em obras e não no cidadão. Hoje censuram animes, porque supostamente desenvolvem comportamentos tóxicos e padrões de beleza surreais entre os consumidores; amanhã censuram jogos e filmes contendo violência, porque supostamente desenvolvem tendências agressivas entre os consumidores; na semana seguinte censuram a Internet, porque supostamente pode desenvolver qualquer coisa que a parte majoritária da população composta de acéfalos ignorantes não gosta.





Autora: RafaSafaDesu from the Desu Series;
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