Tatami Galaxy: retratando os qualia
Você é estranho e suas preocupações são pífias, mas é pra ser assim mesmo.
“Qualia”.
“Qualia” é um conceito advindo da filosofia da mente. Refere-se, em sua essência, à subjetividade da percepção humana, postulando, entre outras coisas, que duas pessoas compreendem determinado estímulo de maneira particular, mesmo quando o estímulo é o mesmo para os dois. Isso quer dizer, em palavras mais simples, que a sua mente tem uma maneira única de perceber as coisas ao redor dela, enquanto que tal experiência é inefável. Portanto, faz completo sentido a dificuldade que é transcrever sentimentos e sensações para palavras: simplesmente não faz jus, ao mesmo tempo em que tentar transmitir esses aspectos sensoriais através da hipérbole ressoa de modo pretensioso.
Por isso, talvez, problemas do cotidiano soam bobos quando são repetidos em voz alta, ainda mais nas ocasiões em que são ditos para alguém que é incapaz de entender o contexto daquilo (embora compreender a conjuntura, ou até mesmo se identificar com ela, não altere o fato de que o “quale” ocasionado é exclusivo da pessoa vivenciando-o). É como reclamar de uma decepção amorosa para o seu avô, que é velho, passou por dificuldades financeiras na infância, casou-se muito jovem, está curioso para saber o que sua esposa fará na janta e sente uma profunda irritação quando o mercado que costuma frequentar muda a disposição dos produtos. Do mesmo modo que ele falha em assimilar as suas preocupações referentes a uma banal rejeição, é difícil para você perceber por que alguém atribuiria tanta importância à organização vigente no mercado. Na verdade, pode acontecer de ambos não entenderem racionalmente o porquê de tais coisas parecerem significativas. Esse é só um leve exemplo da influência que os “qualia” podem exercer na interioridade do indivíduo.
“Tatami Galaxy” narra uma história, ao meu ver, bastante discernível, com uma mensagem relativamente descomplicada: um garoto de idade universitária que, devido às idealizações simplistas que faz da vida, encontra-se preso em meio a escolhas questionáveis e péssimos hábitos comportamentais. A moral é óbvia desde o primeiro episódio, visto que o próprio protagonista consegue identificá-la, conquanto seja circunstancialmente incapaz de alcançá-la devido à presunção limitante que insiste em impor acerca de si; seus princípios estão deturpados. Quero dizer, é fácil raciocinar a respeito da necessidade de iniciar um diálogo com a garota que lhe interessa, chamando-a para sair, em prol dela de fato sair com você. No entanto, é ridiculamente difícil agir com diligência e iniciar o tal diálogo, arriscando-se a ouvir um sonoro "não". Expor-se exige certo grau de maturidade e confiança, coisas que o protagonista ainda não tem.
A obra intenta, entre muitas coisas, reproduzir a complexidade subjetiva dos sentimentos através de metáforas visuais e do diálogo veloz (que também serve a um propósito estilístico, já que a trama ressalta de forma temática o quesito "tempo" e principalmente "como gastá-lo" sempre que há uma oportunidade). Isto é, semelhante a como certas emoções são intensas em seus respectivos contextos, exige-se vigor mental para acompanhar tudo que está sendo dito pelo protagonista. Além disso, a animação experimental, misturando elementos abstratos com live-action em alguns trechos, complementa a aura de "confusão junto de um leve tom de ironia" que o anime cria para si.
É devido a todas essas (e algumas outras) particularidades, inclusive, que considero a mensagem da obra apenas parcialmente simples. Uma vez que se abstrai do contexto, ela de fato pode ser interpretada banalmente, afinal são só palavras. Em contrapartida, experienciar isso de perto, estando imerso no ambiente que lhe é proporcionado por tudo aquilo que já foi citado é algo à parte. Entretanto, esse não é um julgamento concernente aos “qualia” de quem está vendo? Em suma, talvez soe imensamente pretensioso... ou, quem sabe, profundo. No meu caso, que sou uma pessoa contrária a essa doença de ficar superestimando as coisas, procurando significado onde há apenas o especulativo, acredito que os trejeitos estilísticos do anime só somam positivamente, embelezando a mensagem útil, ainda que óbvia, da qual a obra dispõe. A dicotomia do humor leve e dos diálogos difíceis de acompanhar (por isso veementes) deixam-me estranhamente satisfeito... e meio eufórico, tal qual poucas situações o fazem.
Conclusão: “Tatami Galaxy” é legal.
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